Como sabemos, a tradição dos contos sagrados oriundos dos mais diversos cantos do mundo apresentam uma enorme sabedoria e, não raras vezes, uma grande lição para a vida, que nos deverá servir para nos conhecermos um pouco melhor.

Os contos que aqui vamos transcrever têm origem em diversas fontes, Jatakas, Katasaritsagara, Panchatantra, Hitopadesa, tradição chinesa, Hindu, etc. e foram extraídos e adaptados de diversos textos e vídeos que fomos encontrando ao longo de diversos anos.

Ações e destinos: Conto Indiano

(Compreensão da Lei do Karma)

Havia numa aldeia do interior da índia um sábio (um Guru) que era dotado de um dom muito especial, ele era capaz de ver o futuro. Esta capacidade era um problema para a sua vida, pois não tinha descanso, toda a gente queria saber o seu futuro, e ele não conseguia viver em paz.

Normalmente, para fugir a tudo isto, o sábio pegava nos seus poucos haveres e escondia-se na floresta, mas, rapidamente era encontrado e tudo voltava ao início, logo se via assediado por meio mundo a querer saber do seu futuro.

O pobre sábio, lá voltava a pegar nas suas coisas e retornava a esconder-se ainda mais no interior da floresta. Até que num certo dia ele entrou tanto na floresta que ninguém mais o encontrou, foi o descanso para o sábio que podia finalmente gozar do descanso que sempre ambicionou, pelo que viveu feliz por alguns anos.

Até que um dia, dois jovens da aldeia, que eram ainda muito novos, já nem se lembravam sequer das histórias que se contavam sobre um dado sábio que via o futuro, foram caçar na floresta e, correndo atras de uma presa, acabaram por penetrar de tal forma nesta que acabaram por se perder. Para complicar ainda mais a sua situação começou a anoitecer, a floresta já era perigosa, mas com o anoitecer tudo se complicava, por isso, tinham mesmo que encontrar um local para pernoitar, e foi o que fizeram, procuraram um lugar em que pudessem passar a noite, no dia seguinte, logo de manhã, procurariam o caminho de regresso.

Quando procuravam um lugar para pernoitar repararam numa pequena luz lá ao fundo, bem no coração da floresta, não havia dúvida, era de certeza o local ideal para passarem a noite. Dirigiram-se para pequena luz que se via ao longe na esperança de encontrar um local para dormir e, quem sabe, comer alguma coisa.

Chegando perto da luz, encontraram uma pequena casa muito humilde, bateram à porta e, surpresa das surpresas, quem lhes abre a porta é o sábio que se tinha escondido na floresta, já há muito tempo que a aldeia tinha desistido de o procurar, tudo tinham feito, mas nunca o tinham encontrado. O sábio, muito surpreso, lá lhes abriu porta e os jovens contaram o que se havia passado com eles:

– Meu caro senhor, quando caçávamos perdemo-nos na floresta, será que nos poderia receber aqui durante esta noite?

O sábio concordou de imediato, serviu alguma coisa para que os jovens comessem, e eles dormiram, passando a noite ali mesmo e, no outro dia de manhã, estava na hora de voltarem para casa. Mas, a curiosidade tem destas coisas pensavam eles, que já se tinham lembrado de quem era o seu hospitaleiro sábio, não podemos desaproveitar esta oportunidade de sabermos o nosso futuro.

Assim, decidiram fazer a pergunta habitual.

– Meu querido sábio, já que aqui estamos, até nem foi com essa intenção que aqui viemos, mas, não seria possível que nos dissesse o nosso futuro?

O sábio, muito contrariado e após muitas lamentações, la lhes disse:

– Sabem, eu não gosto nada de fazer isto porque as coisas não funcionam da forma que vocês pensam, o futuro tem linhas gerais, mas não está traçado da forma fixa e rígida que vocês pensam.

Os jovens voltaram a insistir e o sábio viu que não havia alternativa para se livrar daqueles dois, então disse:

– Você, o primeiro jovem, daqui por um ano vai tornar-se num rei e um rei poderoso. Já você, o segundo jovem, daqui por um ano estará morto.

Os dois jovens ficam estupefactos e aquelas previsões foram um choque para ambos. Um que era de uma família muito humilde iria tornar-se num rei no espaço de um ano e, o outro, ainda muito jovem e saudável, no espaço de um ano morreria.

Muito preocupados, porque o sábio nunca se tinha enganado, regressam a casa já começando a prepararem-se para aquele futuro que lhes tinha sido anunciado. Um fazendo planos para o seu governo e outro fazendo planos para o seu último ano de vida.

Quando chegam à aldeia eles contam o que lhes havia acontecido e o que o sábio lhes havia dito sobre o seu futuro, todos acreditaram e nem colocaram em questão que tal não acontecesse, o sábio nunca se tinha enganado nas suas previsões, todos o podiam confirmar.

Ora, a partir daquele dia, o jovem que seria rei, começa a comportar-se como se já fosse um rei, dando ordens, ameaçando com o poder que teria dali por um ano, torna-se arbitrário, arrogante, autoritário e vaidoso, muda totalmente a sua conduta que tinha tido até então.

Enquanto o outro, que morreria num ano, começa a considerar que cada dia da sua vida é um dia a menos num prazo muito curto, por isso, entendia que deveriam ser muito bem vividos, com toda a consciência de tal maneira que, cada ato dele, passa a ser cuidadosamente escolhido, cada palavra, cada gesto de generosidade ou de ajuda ao próximo, de tal forma que quando chegasse o momento estivesse de consciência tranquila e em paz com a sua vida. Passa assim a ter uma postura exemplar nos dias que lhe faltam.

O tempo foi passando, passam meses e nada acontece, até que um dia se completa um ano e nada aconteceu. Já passavam vários meses para além do ano anunciado pelo sábio e os jovens questionavam-se se ele não se teria enganado, será que tinham percebido mal e era mais de um ano, será que apenas e logo no seu caso o sábio infalível se tinha enganado. Depois de muito ponderarem chegam a uma conclusão, tinham que voltar a encontrar o sábio e perguntar-lhe o que tinha acontecido, não havia outra opção.

Assim fizeram, quando começavam a penetrar na floresta em direção à casa do sábio, encontram pendurada numa árvore uma grande sacola cheia de moedas de ouro, eles assustam-se com aquilo, não era de todo normal que aquilo fosse possível. Um deles comenta, olha se calhar é a minha fortuna que começa a aparecer, a minha sorte já esta a mudar é o caminho para a minha coroação. Depois de dizer isto, ele avança para a sacola, enquanto o outro, como iria morrer mesmo, ficou mais atras, não tinha qualquer interesse nas moedas de ouro, o que podia fazer com elas, só levá-las para o caixão. Nesse instante, um ladrão aparece de repente e lança-se na direção do jovem que chegava à sacola, o que ficou mais atrás apercebe-se disso e atira-se contra o ladrão e lutam os dois, depois de vários minutos o jovem consegue afastar o ladrão, mas fica com um pequeno corte no braço, sem grande gravidade.

A sacola continha moedas de ouro que tinham sido roubadas e o ladrão procurava recuperar o proveito do seu furto quando os jovens se aproximaram da sacola.

Depois de tentarem fazer um pequeno curativo no braço do jovem ferido continuam o seu caminho em direção à casa do sábio, um dos jovens levando a sacola com as moedas de ouro, o tal que esperava tornar-se rei e, o outro, o que esperava morrer, lá ia caminhando com o seu pequeno corte no braço.

Pouco depois lá chegaram a casa do sábio, para lamentável surpresa deste, que após abrir a porta viu os dois jovens novamente.

– Vocês novamente! Voltaram a perder-se?

– Não meu querido sábio, nada disso, nós queríamos saber se o senhor se enganou com o que nos disse.

– Como me enganei? – Disse o sábio.

– Sim, não se lembra de nós, estivemos aqui há mais de um ano e você nos disse que, decorrido um ano, um de nós seria um rei muito poderoso e o outro morreria. – Disse um dos jovens.

– Sim, foi isso mesmo, e já passa bem mais de um ano e olhe aqui para nós, nada aconteceu apenas esta sacola com moedas de ouro e um pequeno golpe no meu braço, o senhor enganou-se. – Disse o outro jovem.

O sábio responde de imediato.

– Não, não me enganei, vocês é que não me ouviram, eu disse que o futuro não é rígido nem inflexível da maneira que vocês pensam, ele é construído a cada momento.

Vira-se para o primeiro jovem e diz.

– Você tinha um bom karma para se tornar num rei poderoso, mas tornou-se tão arrogante e alterou de tal forma a sua conduta que o seu karma se reduziu apenas a essa sacola de moedas de ouro. Agora, o seu amigo, ele tinha um mau karma ia morrer ainda jovem, mas como se tornou tão prudente, tão sábio e tão virtuoso o seu mau karma se reduziu apenas a este pequeno golpe no braço.

O nosso futuro está a ser permanentemente construído.

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